Rakta, um apavoro no rock brasileiro
Claustrofobia. Tensão. Desconforto. Suspense. O show do Rakta no Teatro Centro da Terra é uma experiência. A banda está em temporada nas segundas de agosto e há, portanto, mais duas oportunidades pra assistir. O espaço, na parte alta do bairro de Perdizes, por si só já instiga. O visitante tem de descer vários lances de escada até chegar às cadeiras de frente pro palco e esse processo cria um ambiente de mistério. Na apresentação desta semana, o público vivenciou uma introdução bem perturbadora antes de chegar ao teatro. Com um dos lances de escada bloqueado, um desvio levou as pessoas a um corredor estreito e se deparou com sombras que aparentam ser das duas integrantes atrás de um pano. Os contornos induzem à conclusão de que elas vestem um figurino com véus e capas. Diante de uma parafernália eletrônica (que parecem ser pedais, sintetizadores e MPCs), a dupla dispara sua artilharia de ruídos, alguns bem fantasmagóricos, ausência de melodia, um ritmo desconstruído. Bruxaria. Raktwerk. Raktwin Peaks.
Respira, relaxa, é só um show. Vamos ao teatro. Novamente, há um tecido que esconde três músicos e seus instrumentos. Apenas o baixista está à frente deste pano, ainda assim de costas, anônimo (sua identidade é um segredo não revelado). Deduz-se que as sombras que se projetam são de Paula Rebellato (teclados, vocais), Carla Boregas (baixo, vocais) e Maurício Takara (bateria) – as duas são integrantes originais e o baterista do Hurtmold foi incorporado à formação recentemente. A potência do som que emana do palco a partir daí é de cair o queixo: tribalismo e violência impulsionam baixo e bateria e criam o clima para o susto que é ouvir os berros e os timbres tirados dos teclados por Paula. Distorções e efeitos alteram a voz, de modo que se compreende pouco do que ela canta.
Normalmente com o baixo em punhos, Carla assume um papel diferente nesta temporada – ou, pelo menos, foi assim na apresentação da última segunda, dia 13/8. Ela toca tambor, sinos e faz alguns backing vocals. Toda parte cênica, no entanto, se concentra nela. Sua sombra – quer dizer, de alguém que deduzimos ser ela – é a que mais atua e projeta imagens que contribuem para a confusão que se instala no palco. Sua personagem é um enigma: ergue uma taça e bebe algo; passa algum tipo de creme ou líquido nos braços; corre de um lado para o outro em um movimento suspeito; e o gesto de tocar o sino oferece algum significado obscuro além do som que produz. A luz é especialmente inspirada para criar esse ambiente.
A temporada do Rakta no Teatro Centro da Terra foi batizada como "O Duplo Ambulante" e faz referência ao mito de doppelgänger – que sustenta que todos temos uma cópia astral, a qual podemos eventualmente encontrar. Há no começo e no fim do show uma narração em voz feminina que fala algo sobre o "equilíbrio entre a alma e o corpo de carne". É interessante ouvir Paula e Carla explicarem um pouco da ideia no blog Trabalho Sujo. Mas não espere grandes esclarecimentos: o estranhamento e perturbação movem a performance. A ideia surgiu a partir do convite e da provocação do curador do teatro, o jornalista Alexandre Matias, que encomendou um espetáculo especialmente para o espaço. A banda tem três álbuns lançados desde 2013, além de alguns singles, tudo prensado em vinil (LPs e compactos). Já com muito (e merecido) moral no circuito independente e algumas turnês fora do Brasil no currículo, a banda é um verdadeiro apavoro no rock brasileiro. Preste atenção e tenha cuidado.
Vai lá:
Rakta – O Duplo Ambulante
Quando: 20 e 27 de agosto, às 20h
Onde: Teatro do Centro da Terra – R. Piracuama, 19
Quanto: contribuição voluntária
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