Topo

Os (nossos) melhores de 2018: Rodrigo Campos, Nick Cave, Sesc Jazz, Elza...

Ramiro Zwetsch

19/12/2018 21h02

Antes de mais nada, é preciso fazer a ressalva: este blog nem de longe ouviu todos os discos ou assistiu a todos os shows de 2018. A lista abaixo, portanto, não tem a pretensão de ser definitiva ou de ser encarada com uma eleição criteriosa. Ela representa o nosso microcosmos e o gosto pessoal do jornalista ouvinte de música. Os critérios, portanto, são subjetivos e pessoais. E o resultado final tem uma amplitude que combina com nosso conteúdo, com os diversos gêneros que frequentaram nossos posts ao longo do ano: tem música brasileira, jazz, rock, reggae, rap e funk. Dito isto, aqui vai os nossos melhores de 2018.

1 disco: "9 Sambas" – Rodrigo Campos
Em seu quarto álbum solo, o compositor paulistano volta ao samba que o guiava no seu primeiro trabalho ("São Mateus Não é um Lugar Assim Tão Longe", de 2009) e tornou-se ponto de partida para viagens além nos dois seguintes ("Bahia Fantástica", 2012, e "Conversas com Toshiro", 2015). "9 Sambas" confirma a vocação de Rodrigo Campos em fazer samba com a mesma elegância de Paulinho da Viola, um certo minimalismo ao estilo de João Gilberto  — tudo isso, referências à parte, com personalidade própria. Coisa fina.

1 capa: "Taurina" – Anelis Assumpção
A pintura de Camille Sproesser que estampa a capa do terceiro e melhor álbum de Anelis Assumpção tem aquela vocação rara de instigar a vontade de ter o objeto mesmo sem se saber qual é o som que ali está. A música, porém, é também pura inspiração e desvenda a maturidade de uma compositora em seu auge até aqui — e a imagem tem também o dom de traduzir perfeitamente as ideias que voam desde a audição do belo álbum (aliás, o segundo melhor do ano, em nossa humilde opinião): capa e disco, uma coisa só, um objeto-arte para se ter em LP.

1 livro: "Sobrevivendo no Inferno" – Racionais MC's
A obra-prima dos Racionais MCs expande sua influência com o passar dos anos, consolida-se como um dos discos mais importantes da história da música brasileira e sua contemporaneidade é algo até assustador. É um símbolo importante a reunião das letras do disco em um livro — com ótimo texto que introduz e contextualiza, assinado pelo professor de literatura brasileira na Universidade de Pernambuco Acauam Silvério de Oliveira. Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue são, definitivamente, poetas do Brasil e nada mais natural que isso seja reconhecido com o lançamento deste livro. Salve!


1 exposição: "Jamaica, Jamaica"

Uau, que evento foi esse? A exposição que ficou em cartaz no Sesc 24 de Maio de março a agosto fez a alegria do imenso público de reggae em São Paulo com um admirável acervo de instrumentos e equipamentos de som, peças de figurino, programas de rádio, fotografias etc. Se não bastasse, a programação agregada trouxe shows com importantes artistas da Jamaica à cidade: um tributo à trilha sonora do filme "Rockers" (com Big Youth, Lloyd Parker e outros), os produtores King Jammy e Scientist (esse mixando ao vivo um show da Nação Zumbi) e a cantora Sister Carol. 2018 certamente será lembrado como um ano emocionante pelos fãs de música jamaicana em SP.

1 show: Nick Cave
A missa promovida pelo músico australiano no Espaço das Américas foi louvada por milhares de fãs em êxtase. Não poderia ser diferente: Cave retornou a São Paulo depois de duas únicas apresentações na cidade em 1989 e as quase três décadas de intervalo fizeram um bem absurdo à música do artista. O repertório de seus discos mais recentes (em especial o penúltimo, "Push The Sky Away", de 2013) desvenda um compositor do quilate de monstros como Leonard Cohen e é impressionante como sua banda The Bad Seeds (com destaque ao multi-instrumentista Warren Ellis) compreendeu essa evolução de algo que soava como um pós-punk inventivo nos anos 80 para este nível elevado atualmente. Assistimos um artista no auge, aos 61 anos, uma bênção.


1 festival: Sesc Jazz

Um clássico do já tradicional Sesc Jazz (ex-Jazz na Fábrica) é que nunca se vê todos os shows incríveis que o festival traz. Neste ano, 22 artistas se apresentaram entre 14 de agosto e 2 de setembro. A Radiola Urbana assistiu a quatro deles (Archie Shepp & Ritual Trio, Charles Tolliver, Dom Salvador Sexteto e Henry Threadgill's Zooid) e ainda não se decidiu qual deles foi o melhor, todos não menos que incríveis. Amigos confiáveis ainda nos relataram sobre outros tantos que foram igualmente catárticos. A curadoria é um capítulo à parte: sempre combina nomes consagrados com revelações surpreendentes. Este é um evento que todo ano aguardamos anunciar a programação para já marcar na agenda.


1 peça musical: "Elza"
Elza Soares tem seu lugar garantido no olimpo da música: surgiu como um fenômeno do samba, já foi eleita a cantora do milênio pela BBC londrina, se consagrou como ícone feminista e se acostumou a se reinventar ao longo dos 60 anos de carreira. Elza é única e é muitas. O musical "Elza" é uma feliz realização com direção de Duda Maia, que ficou em cartaz durante um mês no Sesc Pinheiros (entre outubro e novembro) — Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte também já assistiram ao espetáculo. O principal acerto da montagem foi reunir sete atrizes / cantoras negras para o papel principal e apenas uma delas (uma inspirada Larissa Luz) com a difícil e bem executada tarefa de reproduzir os trejeitos vocais da artista. As outras mulheres que constroem esse belo mosaico são Janamô, Júlia Tizumba, Késia Estácio, Khrystal, Laís Lacôrte e Verônica Bonfim — além de Bia Ferreira, responsável por substituir Larissa em algumas datas. Não tem como não se emocionar durante a apresentação, de tirar o fôlego.

1 série televisiva: "Hip Hop Evolution", segunda temporada
A série documental "Hip Hop Evolution" (com direção de Darby Wheeler e apresentação de Shad Kabango) já havia surpreendido aos fãs do hip hop em sua primeira temporada com um panorama bem completo, cheio de informações, boas entrevistas, imagens de arquivo preciosas e um ótimo roteiro sobre o surgimento desse fenômeno que revolucionou a cultura negra no final dos anos 70 e começo dos 80. Os quatro episódios da segunda parte (que estrearam em 2018 no Netflix) mantiveram o nível e chegaram aos anos 90 — período em que o rap atinge um novo patamar com a ascensão de nomes como Tupac, A Tribe Called Quest, De La Soul, Nas, Wu-Tang Clan e Notorious Big. É pra assistir!

1 documentário: "Betty – They Say I'm Different"
Betty Davis é um mistério: gravou três discos nos anos 70 e criou uma receita para o funk sem precedentes. Ela combinou seu groove explosivo com uma atitude roqueira e foi vanguarda em termos de comportamento — suas letras falavam abertamente de sexo e sua imagem abusava da sensualidade (nas capas dos discos e nas performances de palco). Namorou o jazzista sul-africano Hugh Masekela, foi casada com Miles Davis e espalhou ciúmes entre seus amantes. No entanto, sumiu do mapa da música a partir dos anos 80. O filme dirigido por Phil Cox investiga o impacto de sua obra e os motivos de sua reclusão. Exibido no Rio de Janeiro e em Olinda neste ano, o documentário desvenda parte das dúvidas que cercam a artista e ajudam a entender o fenômeno.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Os (nossos) melhores de 2018: Rodrigo Campos, Nick Cave, Sesc Jazz, Elza... - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o autor

Ramiro Zwetsch é jornalista, DJ residente da festa Entrópica, sócio da Patuá Discos e criador do site Radiola Urbana. Foi editor-chefe dos programas "Manos e Minas" e "Metrópolis", repórter de música do Jornal da Tarde e colaborou para "Ilustrada", "Caderno 2", “Bravo!”, “Rolling Stone”, “Bizz”, “Carta Capital”, “Select” entre outros.

Sobre o blog

Divagações e reflexões sobre as maravilhas contemporâneas e pérolas negras da música Brasil adentro e mundo afora.

Mais Posts