Radiola Urbana http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br Divagações e reflexões sobre as maravilhas contemporâneas e pérolas negras da música Brasil adentro e mundo afora Thu, 05 Sep 2019 18:12:55 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A fúria no samba de Douglas Germano: “não dá cantar sobre sol e passarinho” http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/09/04/a-furia-no-samba-de-douglas-germano-nao-da-cantar-sobre-sol-e-passarinho/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/09/04/a-furia-no-samba-de-douglas-germano-nao-da-cantar-sobre-sol-e-passarinho/#respond Wed, 04 Sep 2019 14:07:10 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=502

O chicote estala na pele preta, helicópteros despejam granadas em favelas cariocas, a floresta amazônica arde em chamas, o racismo é relativizado, fala-se em trabalho infantil como algo que fortalece caráter, a violência contra mulher é banalizada, torturadores são saudados como heróis, terreiros são alvos de ataques terroristas constantes, educação e ciência sofrem sabotagem, discute-se o armamento da população como solução à violência, a diversidade sexual é demonizada… Como a música deve se relacionar com o Brasil de 2019? Muitos dos discos preferidos deste blog lançados neste ano reverberam revolta e se posicionam contra o retrocesso. “Escumalha”, de Douglas Germano, é mais um deles.

Seu samba tem fúria. O violão desfere golpes na cadência de um trote, os versos cantados em coro soam como palavras de ordem gritadas em manifestações e as letras cutucam várias feridas. É porrada. Este é o terceiro disco solo do compositor paulistano e sua assinatura aparece cada vez mais autoral. Autor de “Maria da Vila Matilde”, eternizada por Elza Soares em “A Mulher do Fim do Mundo” (2015), ele tem outras duas composições gravadas pela cantora. Em “Escumalha”, Douglas Germano alcança mais uma proeza: uma parceria com Aldir Blanc – conhecido principalmente pela tabelinha inspirada com João Bosco nos anos 70 – na faixa “Valhacouto”.

“Golpe de Vista” (2016), seu segundo disco solo, já havia batido em cheio em nossos ouvidos e caixas de som. Se aquele trabalho havia sido lançado sob os efeitos do impeachment de Dilma Roussef, “Escumalha” chega junto com o desespero de quem tem consciência do que representam quatro anos de governo de Jair Bolsonaro. Passaram-se, por enquanto, apenas oito meses e estamos diante de um cenário em que temos de argumentar contra escravidão, ditadura militar, intolerância religiosa, discurso de ódio e tantos outros assuntos insuportáveis. Essa angústia paralisa muita gente boa e a arte ainda é uma das formas de cura e resistência. Ouçam “Escumalha” e leiam nossa breve entrevista com Douglas Germano feita ontem, por email. Em tempo: a palavra “escumalha” identifica a “escória social” ou a “ralé”.

Por que “Escumalha”?
Porque é para onde devemos olhar. Porque a escumalha constitui a grande massa do povo brasileiro. Abandonados pelo estado, estigmatizados, vítimas de preconceito, renegados, carentes de estruturas básicas, alimento do moedor de carne do capitalismo, fora das bolhas da metrópole, afastados da cultura e da tecnologia, da justiça, da saúde, de atenção, à mercê da teologia da prosperidade que lhes atende alimentando, entre outras coisas, sua autoestima.

Seu samba tem fúria (nas letras, no ataque ao violão, nos coros cantados como gritos de guerra). De onde vem esse sentimento?
Da indignação. Hoje tomei conhecimento de um jovem sendo chicoteado por seguranças de supermercado. Não dá pra fazer música sobre sol e passarinhos.

Tem um mistério no seu violão. É muito autoral, soa como que vindo de um samba que nunca existiu antes de você. Como você desenvolveu seu estilo e quais influências você identifica nele?
Bateria de escola de samba. Eu sempre penso nos baixos como surdos de 1ª, 2ª e 3ª. Tenho na cabeça aquele molho de uma bateria com um naipe de cuícas proeminente. Sou um autodidata no violão. Comecei a utilizá-lo porque o cavaquinho não dava o suporte que eu precisava para compor e sustentar a melodia. Eu já tocava desse jeito quando, mais tarde, fui estudar harmonia. Sou um instrumentista limitado, mas meu violão me serve muito bem para a composição. O primeiro violão que me chamou a atenção por me apresentar opções distintas na utilização dos baixos foi o do Paulinho da Viola. Depois conheci os outros. Baden Powell, João Bosco, Nelson Cavaquinho… São escolas do violão brasileiro. Eu e meus contemporâneos temos uma história gigantesca e brilhante que nos antecede na música brasileira. É natural esbarrar nesse ou naquele.

Suas letras parecem dialogar essencialmente com os excluídos. De onde vem a inspiração para esse tipo de poesia?
Da minha própria vida. Dos meus amigos, família, várzea, ensaio de escola de samba… Sempre estive, como disse o Mano Brown, “da ponte pra cá”. Da ponte pra cá é tudo bem diferente mesmo.

Como compositor, você tem uma obra que não reverbera na grande mídia tanto quanto mereceria. Porém, você tem conquistas que muitos sambistas renomados nunca tiveram: músicas interpretadas por Elza Soares e uma parceria com Aldir Blanc. Qual é o significado dessas duas realizações na sua carreira?
Isso se deve à dedicação ao ofício. Eu quero ser um bom compositor, conseguir uma boa síntese na letra, conseguir uma melodia criativa que atenda a esta letra… Eu nunca quis nada além disso: fazer a coisa com verdade. Não há um verso que eu tenha escrito que não seja fruto de uma experiência vivida. Tive indicação para APCA e Prêmios Shell, fui finalista do Grammy Latino, tenho três músicas gravadas pela diva Elza e uma delas transformada em bandeira importante na luta pelo fim da violência contra a mulher, compus alguns sambas de enredo… Mas sempre foi assim: eu e o papel, nenhum outro horizonte que não fosse esse. “Maria de Vila Matilde” não fiz para a Elza, fiz para minha mãe, para contar uma situação vivida dentro de casa. É aí que o universo se amplia. Sou muito grato e me comovo muito. Muita gente conhece minha música e não sabe como é minha cara. Isso é um privilégio. É minha música que ofereço, não a minha cara. A parceria com o Aldir é uma entre as maiores alegrias que tive na vida. Gênio da raça! Brasileiro máximo.

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Livro mapeia 120 sounds systems de música jamaicana no Brasil http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/28/livro-mapeia-120-sounds-systems-de-musica-jamaicana-no-brasil/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/28/livro-mapeia-120-sounds-systems-de-musica-jamaicana-no-brasil/#respond Wed, 28 Aug 2019 14:52:19 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=495

O reggae é um fenômeno no Brasil. Festas atraem um público cativo e os chamados sound system proliferam cada vez mais no país. Trata-se basicamente, como a tradução literal para o português sugere, de sistemas de som desenvolvidos para amplificar a música jamaicana. Porém, essa aparelhagem tem características específicas não só no que se refere à reprodução do som como na sua apresentação visual. No que diz respeito à equalização, o grave tem de bater forte no peito dos frequentadores dos bailes. Na seleção musical, os DJs (ou seletores, como é mais comum no vocabulário importado da Jamaica) normalmente usam de certos efeitos típicos associados à essa cultura. São recorrentes, por exemplo, o uso do eco (que confere uma sensação de entorpecimento na mente do ouvinte) e a técnica do “rewind” – que consiste basicamente em executar uma pequena parte da introdução de uma certa música que é querida pelo público e retornar ao começo dela girando o disco de vinil ao contrário; esse recurso fatalmente gera euforia entre os fãs, que reagem aos gritos de “Pow! Pow! Pow!” toda vez que o DJ saca essa carta da manga. No aspecto visual, os sounds systems também provocam impacto aos olhos pois são imensas paredes com uma grande quantidade de caixas de som empilhadas (aproximadamente dez, em geral).

O desenvolvimento dessa cultura no Brasil se desenrola a partir de 2001, quando surgem os dois primeiros sistemas de som nesses moldes: Dubversão em São Paulo e Digital Dubs no Rio de Janeiro. De lá pra cá, a coisa cresceu absurdamente e o recém-lançado livro “Mapa Sound System do Brasil” registra 120 dessas aparelhagens. Os organizadores da publicação são a seletora, pesquisadora e produtora cultural Dani Pimenta e o ilustrador e designer Natan Nascimento. Em 160 páginas, podemos apreciar a aparência de cada um dos sound systems registrados sob o traço digital de Natan e entender um pouco melhor dessa história de quase duas décadas a partir de textos da própria Dani e de outros personagens protagonistas dessa saga. Os autores frisam e a gente assina embaixo: esse registro se debruça sobre essa movimentação recente (muito concentrada nas regiões periféricas de São Paulo) e não cobre, por exemplo, a impressionante cena de reggae que se desenvolve no Maranhão (com características próprias) desde os anos 70. É um recorte específico e a Radiola Urbana recomenda muito! Confira nossa entrevista com a dupla!

 Radiola Urbana – Como surgiu a ideia de mapear os sound systems no Brasil?
Dani Pimenta – Surgiu em 2015 e veio de uma curiosidade minha sobre quais eram os sound systems do país (que já apresentavam um crescimento bastante relevante ali naquele período, o que viria a ser um boom logo na sequência), como eles trabalhavam, quem eram as pessoas que formavam esses coletivos, e, principalmente, a curiosidade em saber a história das equipes contadas por elas próprias.

RU – Por que resolveu ilustrar os sistemas de som?
Natan Nascimento – A inspiração foi múltipla. A principio eu estava ilustrando o sistema de som do meu coletivo, Favela Sound System, para um flyer de uma festa nossa. A ideia era fazer uma ilustração mais “quadrada” e digital. Aconteceu que eu terminei de fazer mais rápido do que eu esperava e então resolvi desenhar mais sounds de amigos meus nesse mesmo estilo. Então eu fui desenhando sem muita ideia do que fazer com aquilo. Quando percebi, já tinha uns 40 sounds desenhados e decidi que seria legal ampliar a pesquisa para todo o Brasil.

RU – De onde vem o seu interesse por essa cultura?
DP – Na adolescência, eu era frequentadora das festas de rap da cidade (como a histórica Class) e, na realidade, naquela época meu contato com o reggae era bem superficial, das coisas que chegavam mais “prontas” aos meus ouvidos na pista. Não buscava nem me aprofundava muito. Colei algumas vezes na festa Stamina Dancehall, que rolava ali na Jive, duas esquinas pra cima da minha casa, e gostava do som. Porém, em meados de 2006, eu conheci o Java, festa comandada pelo Dubversão e que rola até os dias de hoje, e aí aconteceu uma mudança de olhar sobre essa cultura, sobre o sound system e a música jamaicana além do que estava fácil de ouvir e acessar. Em seguida conheci o blog You&Me on a Jamboree, entendi que tinha um universo absurdamente amplo a ser explorado e aí o mergulho foi definitivo. Em 2008, eu criei um blog chamado Groovin Mood (até então, eu escrevia esporadicamente para veículos de rap como o Coletivo MTV e o Bocada Forte) e nele eu falo basicamente de reggae e sound system até hoje. Poucos anos depois eu comecei a produzir festas, a tocar e colecionar reggae. Foi uma paixão arrebatadora.
NN – Meu primeiro contato com os sound systems foi através  do graffiti e da pixação. Um amigo meu de Jundiaí que fazia graffiti, o Sono Tws, tinha começado um coletivo de reggae em São Paulo e eu não tinha muito conhecimento sobre aquilo. Foi, se não me engano, em 2009 no CCPC Consolação a primeira vez que colei na festa dele. Chegando lá, descobri o Jurassic Sound e uma cultura “nova” que me cativou. No dia seguinte, já comecei a baixar musica, criar playlist no i-tunes e pesquisar mais sobre o reggae. Em 2010, comprei meus primeiros discos e em 2011 comecei a promover e tocar em festas em Jundiaí, viabilizando o nascimento do Favela Sound System em 2013.

RU – Como aconteceu a conexão entre vocês?
DP – Eu fiz uma entrevista com o Favela Sound System para o Mapa Sound System Brasil, que até então ainda era apenas uma coluna no meu blog. Na realidade, o Favela inaugurou a coluna, eles foram os meus primeiros entrevistados. Alguns anos depois, o Natan começou a desenhar os sistemas de som do país com base no mapeamento do meu blog. Uma parte desse trabalho dele, um pôster-cápsula com uma pequena amostra de ilustrações de sistemas do país, foi parar na exposição “Jamaica, Jamaica”, que rolou em 2018 no Sesc 24 de Maio. Nesse ínterim, ele me procurou propondo que uníssemos forças pra criar algo com esse material todo que eu e ele juntamos individualmente e então nasceu a ideia do livro. Importante dizer que ele não é um livro sobre a história do sound system no Brasil e, sim, um mapeamento puro e simples baseado em ilustrações, que conta com alguns depoimentos soltos como curiosidades e complementos narrativos.
NN – Entre 2013 e 2014 rolou uma parada muito bacana no facebook: as pessoas que tinham discos, tocavam em festas ou tinham sound começaram a se adicionar e criar conexões. Nessa época conheci a Dani e seu trabalho tanto com o Groovin Mood quanto com a Festa Mulheril. Quando ela nos entrevistou, estreitamos um pouco mais nossa relação. Em 2017, quando eu já tinha ilustrado mais de 100 sounds do Brasil, convidei ela para juntarmos os projetos e lançarmos um livro juntos. Ela topou de primeira. Hoje somos grandes amigos e parceiros nesse trabalho.

RU – Qual é a importância dos sound systems para a música jamaicana? Até que ponto a evolução dos tantos gêneros musicais da ilha incorporam elementos surgidos nessas festas?
DP – Os sound systems foram a rádio da época na Jamaica, permitiram que as pessoas, mesmo sem recursos financeiros, pudessem desfrutar de entretenimento e divertimento. Também foi a partir dos sounds que criou-se a trajetória da música jamaicana como conhecemos e apreciamos hoje nos quatro cantos do planeta. Os donos de sound system, que até então reverberavam ritmos norte-americanos, passaram a investir nos talentos da ilha e difundir essas vozes nos sistemas. O resto é história. Os elementos presentes desde o início dessa “nova” linha do tempo da música jamaicana, que dá o seu start com o ska e é contemporânea à independência local – o que é importante ressaltar – foram se transformando e se adaptando com o passar dos anos. Mas penso que não ficaram no passado e continuam compondo todo o cenário musical que permanece pulsante na ilha em uma constante conexão e influência em todo o mundo – e não só no reggae.

RU – Acredita que a proliferação dos sistemas de som podem fomentar também uma cena de produção musical de reggae no Brasil como aconteceu na Jamaica?
DP – Torcemos para que sim. Já é bastante interessante a movimentação de produção musical dentro do reggae e do sound system mas obviamente ainda está distante do que aconteceu na música da Jamaica – algo que aparenta ser absolutamente infinito. Penso que também temos uma mentalidade que precisa ser desconstruída em relação ao cenário sound system X bandas de reggae, afinal os maiores clássicos do reggae foram produzidos com bandas, não é? Talvez se essa conexão passasse a ser mais próxima, com a quebra desse paradigma, teríamos ainda mais ganhos em quantidade e qualidade. Mas, de qualquer modo, o sound system também produz cada vez mais e não é mais uma raridade ver as equipes tocando seus próprios sons e agitando a pista ou a rua.

RU – Na sua opinião, o que explica essa maior concentração de aparelhagens no estado de SP?
DP – Quero aqui fazer um adendo: no livro, a gente fala especificamente dos sound systems que se proliferaram a partir dos anos 2000, nesse modelo pós-Dubversão. No entanto, as aparelhagens de amplificação de reggae no Maranhão (que têm formatos e outras especificidades diferentes do “nosso” sound system) têm sua origem bastante anterior a esse caminho feito anos depois a partir de SP. Segundo informações do Museu do Reggae, são mais de 200 radiolas espalhadas pelo país – então é radiola pra caramba! Adendo feito, voltemos ao tema do livro. Penso que essa importante movimentação do Dubversão no início dos 2000 inspirou muita gente a fazer o mesmo e essa acaba sendo uma das razões dessa concentração. A forte movida de SP, as possibilidades de uma metrópole desse porte (apesar das dificuldades que também não são poucas), os espaços, a quantidade de pessoas… Enfim, são muitos fatores que, somados, acredito que explicam esse fenômeno.
NN – A gente percebeu com a pesquisa que o Dubversão (SP) e o Digital Dubs (RJ) surgiram quase simultaneamente. Porém, o Dubversão foi a primeira equipe a construir suas próprias caixas de som e aprofundar o reggae dentro desse universo dos sistemas de som. Então, a oportunidade de vivenciar uma festa sound system veio antes para mais pessoas do estado de SP do que nos outros estados.

RU – Por que as regiões periféricas atraem tantos sound systems?
DP – É algo intrínseco à origem do sound system lá no seu berço. Foi da periferia que ele veio, é para o povo periférico que ele deu voz (no caso dos artistas) e espaço de convivência e diversão (no caso do público). Somos um país de terceiro mundo, com muitos elementos que se conectam à história da Jamaica como povo e sociedade.
NN – Eu acredito que existam muito da representatividade nisso. A maioria dos moradores das favelas são pessoas pretas, logo o reggae é melhor aceito nos bairros periféricos. Aí entra a parada da acessibilidade: muitas vezes leva 2 horas para uma pessoa das zonas leste ou sul chegar em um evento no centro de SP – isso acaba sendo um incentivo pra galera da periferia construir seus próprio sistema de som e reproduzir a cultura que ama em seus próprios bairros. Além disso, o reggae muitas vezes retrata o cotidiano desse povo da periferia e dá voz pra essa galera, o que acaba gerando uma responsabilidade social muito grande nas pessoas que trabalham diretamente com essa cultura. As equipes muitas vezes promovem eventos gratuitos, em espaços públicos e/ou em bairros periféricos.

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Exclusivo: ouça “Tempo Bom Redondin”, nova música do pernambucano Siba http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/22/exclusivo-ouca-tempo-bom-redondin-nova-musica-do-pernambucano-siba/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/22/exclusivo-ouca-tempo-bom-redondin-nova-musica-do-pernambucano-siba/#respond Thu, 22 Aug 2019 14:44:37 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=490

Foto: José de Holanda

Siba ataca novamente! O compositor pernambucano prepara o lançamento de seu terceiro disco solo e a Radiola Urbana tem o prazer de divulgar com exclusividade a primeira faixa do repertório. “Tempo Bom Redondin” tem a marca do artista e mostra sua inventividade na combinação de uma letra existencial com uma musicalidade própria – em que a estrutura rítmica do coco explode em uma combustão com guitarra, percussão, bateria, teclados, trombone e rabeca. “Esse som fala da relação conflituosa que temos com o tempo atualmente. Brinca com as distintas concepções de tempo que elaboramos nesse mundo”, diz o artista. “O tempo linear e sucessivo em oposição ao circular, do ritual”. A faixa tem produção e mixagem de João Noronha em parceria com o próprio Siba. O disco será lançado no dia 6 de setembro (em uma parceria entre EAEO Records e YB Music) e a primeira música divulgada aguça a expectativa pelo trabalho na íntegra. Ouça!

Siba – voz, guitarra e rabeca

Mestre Nico – voz, trombone e percussão

Lello Bezerra – guitarra

Rafael Dos Santos – bateria

Dustan Gallas – teclados

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Alessandra Leão lança “Macumbas e Catimbós”: “o estado ainda é laico” http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/14/alessandra-leao-lanca-macumbas-e-catimbos-o-estado-ainda-e-laico/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/14/alessandra-leao-lanca-macumbas-e-catimbos-o-estado-ainda-e-laico/#respond Wed, 14 Aug 2019 16:07:50 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=484

Capa: Juliana Godoy

A leoa devorou o lobo. Algo aconteceu e ela se elevou. Alessandra Leão é uma voz para se ouvir em 2019. Seu “Macumbas e Catimbós” está entre os discos brasileiros mais inspirados do ano e sua participação como protagonista em “Goma Laca: Cantos Populares do Brasil de Elsie Houston” é de um brilho que hipnotiza no palco e no álbum. A imagem que estampa a capa de “Macumbas” já diz tudo: há força, natureza, espiritualidade, protesto e beleza na integridade entre a mulher e o tambor. É um rugido que se impõe. Ouça.

É bonito observar seu percurso. “Macumbas e Catimbós” é um disco todo concebido a partir da estética que comanda os rituais de terreiro. A compositora pernambucana canta e toca seu ilu na companhia de outros dois tambores, tocados por Abuhl Jr. e Maurício Badé. Os temas originais se amalgamam com cantos tradicionais e tecem um repertório de louvação aos orixás de raríssima inspiração. As participações de Lia de Itamaracá, Mateus Aleluia, Sapopemba e Luiz Quiguiriçá (pai de santo da artista) evocam a ancestralidade e conectam com o presente. Há ainda um coro que ela batizou de “festivo” e reúne as vozes de Isaar, Karina Buhr, Lenna Bahule, Lívia Mattos e Manu Maltez. Todos os sons são tirados da garganta e do toque nos tambores.

Em “Goma-Laca”, Alessandra e seu ilu também estão no centro dos arranjos. Ela é a voz principal entre outras que se reúnem ao projeto: Juçara Marçal, Lívia Mattos, Marcelo Pretto, Pastoras do Rosário da Penha e Siba. Já o tambor é o farol que guia os elementos que belamente se somam em uma teia instrumental com o contrabaixo de Marcos Paiva, o cello de Filipe Massumi, a flauta de Junior Kaboclo, o vibrafone de Beto Montag, entre outros. O repertório visita as pesquisas da cantora e musicóloga Elsie Houston para o livro “Chants Populaires Du Brésil”, lançado em 1930 na França, com uma compilação de temas recolhidos pelo Brasil, entre lundus, modinhas, cocos, emboladas, acalantos, cantigas indígenas e do candomblé. O resultado é de chorar.

Antes disso, Alessandra Leão experimentou outras instrumentações. “Dois Cordões” desvenda uma musicalidade já muito madura no encontro de sua poética e canto com as cordas das guitarras de Caçapa e Rafa Barreto – um groove bem recifense, rural e urbano, sem precedentes, com identidade. A trilogia é um mergulho no precipício: a voz grita como quem rasga o peito e as distorções e ruídos nos apresenta um som mais pesado e uma fúria punk quase estranhos aos trabalhos anteriores da artista. Completam sua discografia “Brinquedo de Tambor” (2006) e Folia de Santo” (2009), além da trilha sonora do espetáculo teatral “Guereiras”, de Luciana Lyra. As camadas que se desnudam aqui e ali preparam o ouvinte para o encontro com essa essência que surge agora.

A Radiola Urbana conversou com ela em meio a uma viagem da artista a Montevidéu, na semana passada. Entre bocejos e goles em uma taça de vinho, ela respondeu as perguntas enviadas por e-mail com generosos áudios via whats-app. Suas palavras confirmam: há muita consciência no discurso, na intenção artística e na potência de sua música. Leia a entrevista, vá ao show que ela faz no sábado 24 de agosto, no Auditório Ibirapuera. Recomendamos ainda os livros que acompanham tanto “Macumbas” como “Goma-Laca” para se aprofundar na compreensão de ambos trabalhos. Filha de Yemanjá e Ogum, ogã em terreiro de umbanda, compositora e cantora, Alessandra tem muito a dizer e sua mensagem é uma inspiração para este Brasil de hoje.

Por que “Macumbas e Catimbós”?
“Macumbas e Catimbós” é uma escolha deliberada mesmo, de usar esse nome de frente e sem disfarce, sem maquiagem, sem achar outra palavra pra isso. É isso. É macumba, é catimbó e está tudo bem com isso. Tanto “macumba” como “catimbó” são palavras que foram sendo usadas de forma muito pejorativa ao longo do tempo. O catimbó é uma religião do nordeste do Brasil, mas especificamente de uma parte que vai do Alagoas até o Rio Grande do Norte. Mas muitos filhos de santo, tanto do catimbó como das macumbas, começaram ao longo do tempo a se apresentar e se identificar como espíritas. A minha leitura sobre isso é que, historicamente, o kardecismo ou espiritismo também eram praticados em rituais fechados. A família da minha vó era praticante do kardecismo, fazia reuniões mediúnicas em casa e também não assumia que eram espírita porque não era bem visto na época. Mas, historicamente, as macumbas e os catimbós sempre tiveram outros lugares de serem mal vistos porque são religiões de negros, índios ou ameríndios, e aí tem outras camadas de preconceito pra lidar e desconstruir. A leitura que eu faço hoje sobre o fato de filhos de santo se apresentarem como espíritas – o que, obviamente, não está de todo errado porque as religiões se comunicam e se entrelaçam – é porque o espiritismo é visto de uma forma mais aceita e mais branda. E acho que um dos motivos dele ser visto assim é porque é uma religião de origem europeia e branca, praticada por pessoas de várias classes sociais, mas muitas pessoas de classe média também. Acho que isso interfere. Mas isso é um achismo, não é fruto de uma pesquisa. Então, voltando à pergunta, é por isso: para eu assumir, ajudar a quem quer pensar sobre isso e colaborar nesse debate. A gente pode ser macumbeiro e catimbozeiro e a gente não precisa se disfarçar pra ser. Ainda estamos em um estado laico. Isso é importante que se diga e é importante que se diga “ainda” porque, em tempos de tantos retrocessos, isso também está em jogo e também está em cheque. Isso também corre risco de mudar e da gente retroceder. Então, essa opção de esse ser o nome do disco e do show é justamente pra gente colocar luz sobre esse assunto e dizer: “podemos ser macumbeiros, podemos ser catimbozeiros, o estado ainda é laico e devemos lutar por ele”. E não para que eu seja macumbeira, mas que cada um seja o que quer ser. O estado laico é justamente para que cada um possa exercer a sua fé da forma que lhe convier e lhe for interessante. E exercer sua fé não pode, em momento algum, oprimir a fé do outro –porque está na lei: “o direito de um vai até onde começa o direito do outro”, inclusive para as questões religiosas.

Qual foi o percurso para mergulhar definitivamente no projeto? Imagino que haja uma preparação especial por se tratar de música espiritual…
São 40 anos de percurso pra fazer esse disco. Sim, me exigiu uma preparação, me exigiu uma presença com mais atenção, cuidado e respeito pra lidar com essa música – apesar de ser uma música que me forma estética, artística e culturalmente desde sempre, desde que eu comecei a me aproximar das artes. É daí que vem minha música, não só do terreiro e da religião, mas do terreiro como prática, o terreiro da rua. Pra mim, eles se comunicam e estão em lugares muito parecidos. Mas fazer um disco com esse nome, com esse foco e mote tão específicos, me exigiu sim um outro preparo. Eu sou da umbanda há cerca de quatro anos, sou ogã, curimbeira, toco dentro do ritual, tenho uma função como médium – de trabalho, de cuidado, de respeito com o que eu faço dentro do ritual, com o que eu faço com esse repertório e com a religião fora do ritual. São outras camadas de cuidado. No processo desse disco e desse show, eu tenho pedido constantemente, a cada passo, autorização, orientação e permissão. Não o faço levianamente, não o fiz de qualquer jeito. Fiz com muito amparo, cuidado, respeito e, ao mesmo tempo, com muita liberdade porque é um disco que é a partir de um universo religioso, fala de um universo religioso, mas é também um disco de música brasileira feito agora, em 2019, por três artistas que são ligados às religiões há muitos anos, mas que também são músicos profissionais, que têm outro olhar sobre esse repertório e sobre a música – com outras referências também. Não é um disco etnográfico, não é um registro do que acontece dentro do terreiro, é um disco que é feito na encruzilhada entre o que é do terreiro, o que é da rua, o que é do palco e o que é do estudo. Nós nos demos a liberdade de criar nessa encruzilhada sem negar nenhum dos caminhos, sem negar nenhuma das referências que a gente tem.

Foto: Bia Varella

Por que decidiu dividir os tambores com Abuhl Jr. e Maurício Badé?
Sempre foi com eles, sempre era pra ser com eles. São músicos que eu conheço há muito tempo. Conheci o ilu através do Maurício tocando, trabalho com Abuhl há muitos anos, ele toca na minha banda já tem tempo. Os dois têm uma relação profunda e estreitíssima com esse instrumento e com a religião, com essa estética e esse universo. São músicos que eu admiro imensamente, queria trabalhar com eles há muito tempo e esse disco, especificamente, era pra ter sido feito com eles.

Qual é o significado de ter participações de artistas tão experientes como Lia de Itamaracá, Mateus Aleluia, Sapopemba e Luiz Quiguiriçá?
A minha decisão foi de ter como convidados do disco apenas pessoas mais velhas. Eu não convidei nenhum dos meus contemporâneos como solista, pra dividir a voz. Esse disco também é sobre isso, é uma oferta a essas entidades, os guias, essas forças que protegem não a mim apenas, mas às nossas terras há muito tempo. É também uma homenagem e um agradecimento a quem veio antes de mim, antes de nós, e que nos permitem estar aqui hoje. É uma homenagem a esse tempo, aos que vieram antes. Eles vieram antes e me permitem estar aqui hoje. Me permitem exercer a minha fé e minha música como eu exerço hoje. A gente ainda lida muito mal com o tempo e é pouco respeitoso com quem veio antes. Eu tenho muito cuidado, atenção, respeito e gratidão com relação a isso.

Qual foi a ideia de formar um “coro festivo”?
O disco inicialmente não teria um coro. Durante o processo do disco, eu achei que precisaria somar outras vozes. E aí sim achei que cabia nossos contemporâneos. Essa presença de cada um nesse coro renova esse lugar dessa reverência a quem veio antes. Esse coro responde a quem veio antes, reverbera a voz de quem veio antes da gente.

Seus trabalhos anteriores (a trilogia “Pedra de Sal”, “Aço” e “Língua”) aponta para uma estética bem diferente, com muitas guitarras à frente dos arranjos e um elemento roqueiro que unifica os três discos. Em “Macumbas e Catimbós”, é tudo baseado em percussão e voz. Como se sente nesse percurso? Foi um processo que aconteceu naturalmente? Há uma explicação racional que ajude a compreender o porquê da catarse da trilogia anteceder essa elevação deste novo trabalho?
Gosto muito dessa pergunta. Bem, a trilogia é uma ruptura e não é. Tem uma ruptura em relação ao que eu vinha fazendo antes no “Brinquedo de Tambor” (de 2006), no “Folia de Santo” (que durante muito tempo eu não considerei um disco de carreira, é um projeto específico) e no “Dois Cordões” (de 2009). Pensando no “Brinquedo de Tambor” e no “Dois Cordões”, tem uma certa continuidade na formação instrumental e na referência musical. A trilogia tem uma ruptura: tem uma bateria modificada que entra, tem mais peso, mais ruído, o jeito de cantar e compor mudou. A trilogia é muito mais ruidosa, barulhenta, incômoda. No “Macumbas e Catimbós”, a vontade desde o início era partir do terreiro, que é o que há de mais antigo e presente pra mim – é a forma que eu sempre toquei, percussão e voz, eu componho e dou aula assim. Me dei conta, quando eu estava gravando disco e muitas pessoas comentavam: “nossa, que radical, um disco só de percussão e voz”. Eu pensava: “que engraçado, é o que eu mais faço”. E percebi o óbvio, que eu nunca tinha gravado um disco só de percussão e voz, o que também me exige um outro pensamento para arranjos e concepção do disco. Eu acho que esse percurso é natural, não sei se tem uma explicação racional, o porquê dessa catarse anteceder essa elevação. Bonita essa pergunta. Não sei, não tenho uma explicação racional. Se eu buscasse muito, talvez eu encontrasse uma explicação energética e espiritual pra isso. A trilogia fala desse mergulho, né? É um mergulho íntimo, é muito sobre mim, de um período de transição e mudança. O “Macumbas e Catimbós” é sobre mim, obviamente, sobre a trajetória que eu chego até aqui, mas ele é muito para além de mim – não é sobre mim, diretamente. É um disco sobre algo muito maior, muito mais amplo do que eu sou – e não me diminuindo, eu sou parte disso. Isso é um pensamento das macumbas que eu acho muito bonito: ninguém está acima de nada, nada está acima de nada. A gente é tudo parte integrante: bicho, gente, planta, pedra, água – é tudo parte integrante com a mesma importância pra que tudo caminhe mais equilibradamente.

Em uma mesa do Pulso (evento de residência artística promovido pela Red Bull Station) do ano passado sobre protagonismo feminino na música, você falou sobre a história por trás da música “Devora o Lobo”, do disco “Pedra de Sal”, de 2014. Como música e espiritualidade te ajudaram a lidar com os efeitos daquela experiência?
Naquela mesa do Pulso, no evento da Red Bull, foi a única vez que eu expliquei publicamente a música “Devoro Lobo” e a relação dela com o abuso sexual que eu sofri na infância. Eu acho que falar sobre isso faz com que o assunto não seja colocado embaixo do tapete como foi há muitos anos e ainda é um assunto delicado, sobretudo se pensarmos que a maioria dos casos de pedofilia acontecem dentro de casa, como foi o meu. Não foi com um parente, mas foi com alguém muito próximo, que tinha total confiança da minha família e frequentava minha casa. E não foi uma vez só, foram várias durante um longo período. Eu entrei em um processo terapêutico uns anos atrás pra lidar com isso de uma forma mais objetiva, mais firme. Já vinha em um processo meu, mas entrei na análise com bastante foco nesse assunto. Acho que falar sobre isso é libertador: ver que você não está sozinha, reafirmar esse lugar de que a culpa não é da vítima mesmo – isso não é um jargão, é um fato, sobretudo se a vítima é uma criança e o abusador é um homem adulto. E eu não costumo explicar muito as músicas que faço. O poeta Rimbaud tinha uma frase que eu me uso muito dela, que quando alguém perguntava o que algum poema queria dizer, ele respondia: “o poema é o que é”. E como as minhas músicas normalmente tem algo muito biográfico, muito pessoal, muito íntimo, já carrega isso, é o jeito que eu sei compor, me sinto muito exposta quando está muito explicado, quando o discurso é muito direto. Então quando eu componho, dentro da minha forma de escrever, da minha poética, eu acabo tentando deixar que seja sobre mim, mas não só – reverbere nas pessoas de outras maneiras. Então eu evito um tanto contar história da música ou explicar o que aquilo queria dizer. Então, nesse evento da Red Bull, eu expliquei pela primeira vez a relação da música “Devoro o Lobo” com a história do abuso. Na verdade, pra mim, essa música ficou muito incômoda uma época. Quando eu gravei, foi duro. Gravei em um take só a voz e falei: “tá bom, chega, não dá mais”. Me mobilizou de uma forma muito intensa, claro. E tem sido fortalecedor e importante achar outro jeito de cantá-la e olhar pra esse assunto – de uma forma que não seja sempre o abrir de uma ferida, mas que seja um olhar para a cicatriz. Muda meu jeito de cantar, a minha intenção. É menos sofrido, é mais… É o que é . É uma cicatriz. Faz parte da minha história. Não há como apagar ela. E a espiritualidade ajuda a perceber isso e a entender que tem coisas que acontecem. Não é um conformismo que elas tem que acontecer, mas é… Ok, aconteceu, o que você vai fazer com isso agora? Tem esse amparo, esses cuidados, não estar só, então pode se levantar e a gente se levanta mais forte. Não precisa disso pra ser mais forte. Mas quando cai, você aprende a levantar. E a espiritualidade me ensina isso, me ensina a levantar e a seguir em frente.

Na mesma ocasião (e também no seu texto que acompanha o disco), você comentou sobre o fato de ter se tornado ogã no seu terreiro, função essa que tradicionalmente não é permitida às mulheres. O machismo é algo que deve ser questionado também nos ambientes religiosos de matriz africana?
Eu sou ogã na umbanda. O processo de iniciação é bem diferente do que é no candomblé. No candomblé existe mesmo um ritual de iniciação. Na umbanda, isso se dá de outro jeito: um guia da casa convida que você vá ao tambor e lhe dá essa função e as responsabilidades que vem com essa função. Esse lugar da mulher no tambor, no tambor de pele sobretudo, ele não é muito permitido e existem várias explicações pra isso. Eu entendo dentro da tradição e da história, compreendo dentro da explicação espiritual e energética. Mas eu acho que as religiões, de uma forma geral, assim como tudo na vida, também são frutos de quem somos e como somos como sociedade em um recorte de tempo. E a sociedade muda, o entendimento muda e as religiões mudam também. Então eu acho que esse também é um lugar pra ser repensado. E eu não estou me colocando acima das tradições ao dizer que tem de se repensar. Eu estou propondo que a gente possa repensar, pois as religiões têm esse recorte temporal, social e cultural mesmo. Eu tenho muita honra de tocar na minha casa. Eu lembro de uma conversa com um dos ogãs da casa. Os dois principais ogãs da casa são meninos supernovos. Um está com 19 ou 20 anos e o outro com 15. Quando eu comecei, eles eram bem novinhos ainda. E já são ogãs desde pequenos, são responsáveis com essa função. Comentei que eu tocava há muitos anos mas nunca tinha tocado em um ritual, em uma gira. Um deles me perguntou por quê. Eu falei: “porque mulher normalmente não pode tocar na gira”. E ele me falou assim: “mas não tem mão do mesmo jeito?”. Acho que é uma maneira de se perguntar e questionar. São tempos questionadores e precisa ser pra gente melhorar e avançar um pouquinho.

O lançamento de “Macumbas e Catimbós” acontece muito próximo ao de “Goma-Laca: Cantos Populares do Brasil de Elsie Houston”. É especial ver os dois projetos virem à tona praticamente juntos? Como eles se comunicam entre si?
Essa confluência do “Macumbas” e do “Goma-Laca” ao mesmo tempo foi bem do acaso. Eu já estava organizando as coisas do “Macumbas” quando recebi o convite do “Goma-Laca”. Os processos criativos se deram também em paralelo. A ideia inicial de cronograma era que o “Macumbas” saísse no início do ano pra não juntar os dois lançamentos ao mesmo tempo e ter um pouquinho de respiro entre um e outro. Mas acabou que foi assim, é o que é, acabei lançando os dois no mesmo fim de semana inclusive – o “Macumbas” em Porto Alegre e o “Goma-Laca” em São Paulo. E tem, no final das contas, pontos em comum. Os dois têm um olhar sobre a música brasileira, sobre a música como ela é ou era feita há muito tempo, mas também sobre a música que a gente quer fazer a partir de agora, olhando pra quem veio antes, como se fazia antes e o que a gente quer fazer a partir de agora. Jogando luz também sobre nomes e reflexões importantes sobre porque somos assim, sobre as camadas de apagamento. Elsie Houston não ser conhecida no Brasil, não ter seu livro lançado até hoje no Brasil, é uma vergonha à memória nacional – assim como a gente lidar com casos de intolerância religiosa, com os apagamentos históricos das comunidades negras e indígenas, das questões de gênero. Isso tudo revela quem e como somos como sociedade. Esses discos se encontram nessas inquietações e reflexões, nesse olhar sobre e para o Brasil de hoje – como isso tudo se junta e se transforma nesses tempos que a gente está.

Sua voz e o seu ilu estão no centro de ambos projetos (não só na musicalidade, mas também na linguagem visual: na capa de “Macumbas e Catimbós” e na posição que ocupou no palco do show de lançamento de “Goma-Laca”, que aconteceu no Sesc Pinheiros no sábado 13/7). Como se desenvolveu sua relação com esse instrumento e como vê esse protagonismo tão evidente que ele assumiu nesses dois trabalhos?
O ilu é uma entidade dentro do ritual sagrado, das macumbas, reverenciado como tal. Todas as entidades que chegam no terreiro reverenciam o tambor. Também é o meu instrumento de trabalho da vida inteira. É o meu principal instrumento de estudo e prática. O “Macumbas e Catimbós” também é um agradecimento e oferecimento a este instrumento, que nos sustenta artística, profissional, material e espiritualmente. No Goma-Laca, o convite veio justamente pra que a gente começasse a pensar esse repertório a partir da minha voz e do meu tambor. Os primeiros encontros se deram assim: eu, com meu tambor, Biancamaria Binazzi e Ronaldo Evangelista (idealizadores do projeto) – a gente pegando as músicas do livro de Elsie e achando as primeiras ideias de clave, de ritmo, de divisão, de forma, de tom. Aí depois chegou Marcos Paiva no contrabaixo e, em outro momento, os outros músicos que estão nesse projeto. A minha posição no Goma-Laca como intérprete e percussionista se dá por isso, porque foi pensado realmente que esse fosse o ponto central de partida pra criação dos arranjos e do disco.

Há muitas participações, todas muito valiosas. Mas é muito especial no disco e no show a colaboração com as Pastoras do Rosário. Como foi trabalhar com elas e o que você guardou dessa experiência?
Esse disco foi somando os encontros – o “Macumbas” também. O “Goma-Laca”, engraçado pensar isso agora, também seria um disco de trio inicialmente. A gente acabou somando outras vozes e outros instrumentos nos dois trabalhos. A participação das Pastoras do Rosário é de um presente para além da minha capacidade de agradecer. É de um alegria imensa esse encontro com elas. Acho e sinto que é uma alegria mútua. A gente se celebra, se abraça, se beija, se agradece e se aperta a cada encontro. É um grupo de oito mulheres que não são profissionais da música, mas que há alguns anos, junto com Renato Gama, começaram a abrir a página da história da Igreja do Rosário da Penha, na zona leste de São Paulo, e montaram esse coral que canta uma vez por mês uma missa afro. E não tenho superlativos suficientes pra dizer o quanto gosto delas e o quanto é uma honra tê-las junto, cantar com elas.

“Meu Barco é Veleiro” é um tema com o qual você guarda uma memória em Recife. Qual é a sua história com ele e como ela se relaciona com as discussões recentes em torno da reforma da previdência?
“Meu Barco é Veleiro” é um coco tradicionalmente, tem várias versões dele. Existem várias gravações com melodias e estruturas poéticas diferentes. A que a gente tomou como base pro “Goma-Laca” é uma versão gravada pelos Carregadores de Piano, na missão de pesquisas folclóricas de 1938, organizada pelo Mário de Andrade, que percorreu parte do norte e do nordeste do Brasil. Essa missão é uma das primeiras gravações de música tradicional do Brasil – gravações de campo. É um material riquíssimo e seu acervo, inclusive, está no Centro Cultural São Paulo. Merece muito ser conhecido. E uma das coisas que essa missão gravou foi os Carregadores de Piano. A função e trabalho deles era essa mesmo, carregar piano. As ruas eram de paralelepípedo e o piano é muito sensível. O instrumento chegava no porto e até ser levado à casa das pessoas, desafinava muito. Então, juntava-se um grupo de oito ou dez homens que colocavam o piano sobre a cabeça, dividindo o peso, e iam andando e levando o piano. Quando a missão passou por Recife, já não existia mais essa atividade profissional. Juntaram oito homens que trabalhavam antigamente com isso para eles cantarem o repertório, com músicas de trabalho. A história que contam é que eles não conseguiam cantar. Não saía direito, não dava certo. Então entenderam que faltava o piano pra eles cantarem juntos. Foram ao Teatro Santa Isabel, pegaram o piano emprestado e ficaram andando no entorno do teatro. Aí cantaram e ficou lindo. Eu sou muito fã dessa gravação, ela foi meu despertador no celular até pouco tempo atrás, é uma música que eu escuto muito pra ficar feliz. É uma imagem forte desse piano sobre a cabeça. Ao mesmo tempo ela me reforça a importância que é cantar e fazer junto. Às vezes a gente precisa carregar um piano pra se fazer junto. Nesses tempos que a gente está agora, de tanto retrocesso social e cultural, penso nessas funções que já nem existem mais e se transformam, nos trabalhos que não foram valorizados, subalternizados e mal-remunerados, que sempre tiveram muito próximos da escravidão – e ainda são agora em 2019, com tanto trabalho escravo ainda – e com esse risco eminente de um retrocesso profundo da previdência, desses direitos sociais já adquiridos (e não adquiridos como favor, mas com muita resistência, luta e sangue para que essa seguridade social existisse como ela é hoje)… Eu tenho cantado essa música pensando nesse momento e nessa representação toda, sobre a força dessa imagem e desse cantar coletivo e o que muda quando a gente faz, canta, dança e faz arte coletivamente – mas também quando a gente briga coletivamente: quando a gente debate, questiona, peita e se manifesta. Às vezes a gente precisa botar um piano na cabeça pra que a gente consiga fazer algo junto. Eu tenho me questionado muito: cadê esse nosso piano pra que a gente possa se mobilizar como sociedade para que a gente não tenha esse retrocesso tão concretizado? É cada um dia um terror pra lidar.

Vai lá:

Alessandra Leão – Macumbas e Catimbós

Quando: sábado, 24/08, às 21h

Onde: Auditório Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, sem número

Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)

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Curso aborda escuta e análise de 8 álbuns da Blue Note, selo grife do jazz http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/07/curso-aborda-escuta-e-analise-de-8-albuns-da-blue-note-selo-grife-do-jazz/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/07/curso-aborda-escuta-e-analise-de-8-albuns-da-blue-note-selo-grife-do-jazz/#respond Wed, 07 Aug 2019 18:41:45 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=477

Azul é a cor mais quente – pelo menos quando o assunto é jazz. A gravadora Blue Note completa 80 anos em 2019 e mantém a aura de principal catalizadora das invenções que transformaram o gênero nos 50 e 60. Seu extenso catálogo é objeto de culto e fonte permanente de descobertas fonográficas que abrem horizontes na mente do ouvinte. Mestres como Miles Davis, Thelonious Monk, Jimmy Smith, Lee Morgan e Art Blakey (entre tantos outros!) escreveram importantes capítulos de suas histórias em discos lançados pelo selo, assim como gêneros como hard bop e soul-jazz cresceram e se consolidaram a partir de inovações promovidas por artistas que encontraram a liberdade necessária no ambiente dos estúdios de gravação dos álbuns da marca.

Para além da música, as capas da Blue Note são referência no mercado fonográfico e combinam com equilíbrio e ousadia as fotos de Francis Wolf com o desgin de Reid Miles. A harmonia entre cores, tipografia e imagem apresenta um resultado tão inspirado quanto o som – e essa fórmula é muito bem apresentada no vídeo abaixo, do canal Vox. Wolf fundou a gravadora junto com seu amigo Alfred Lion, em 1939. Os dois emigrantes judeus e amantes do jazz fugiram da Alemanha nazista para Nova Iorque, com o sonho de gravar os discos que gostariam de ouvir. Missão cumprida. O outro homem fundamental para esta linguagem consagrada é Rudy Van Gelder, técnico de som de praticamente todas as gravações registradas pelo selo entre 1953 e 1967.

A efeméride traz junto uma série de projetos interessantes para se aprofundar nesse legado jazzístico. Recentemente, foram lançados dois documentários: “Blue Note Records: Beyond the Notes” (de Sophie Huber) e “It Must Schwing – The Blue Note Story” (de Eric Friedler) – este, inclusive, exibido recentemente em São Paulo no festival In-Edit Brasil. Outra oportunidade para quem mora na capital paulista é o curso “A História do Jazz Moderno Através dos Álbuns da Blue Note”, que acontece a partir da semana que vem no Espaço Musical Ricardo Breim. Com oito aulas conduzidas pelo produtor musical e educador Tiago Frúgoli, o programa aborda a escuta e análise de oito álbuns icônicos da gravadora. Confira nossa entrevista com Frúgoli e ouça nossa playlist com 20 músicas em homenagem às oito décadas de Blue Note!

Por que Blue Note?
A ideia, além de contar a história do jazz moderno, é de pensar no processo criativo de uma produção fonográfica. E apesar de alguns álbuns muito importantes do jazz terem sido lançados por outras gravadoras, penso que a Blue Note é o selo que teve maior consistência nesse período, se apoiando sempre na direção artística de Alfred Lion, na engenharia de som de Rudy Van Gelder e no design gráfico de Reid Miles. O selo garantia um padrão de qualidade, ao mesmo tempo que transitava por vários subgêneros do jazz – o que é fundamental para a apresentação que quero fazer no curso.

O selo completa 80 anos em 2019. Qual período nessas 8 décadas te interessa mais e por quê?
De 1953, quando Rudy Van Gelder passa a ser o técnico de som responsável por quase todas as gravações, até 1967, momento em que o selo é vendido a um grupo maior e Alfred Lion, fundador do selo, deixa de produzir as gravações. Tenho uma preferência pessoal por álbuns lançados por volta de 1964, acho que foi um período muito criativo e inspirado.

Qual foi seu critério para escolha dos álbuns que serão abordados no curso?
Selecionei álbuns que deem conta das diferentes estéticas do jazz dos anos 50 e 60. Não gosto de ser rígido com categorização de gêneros, mas rótulos como “bebop”, “hard bop” e “free jazz” nos ajudam a entender diferentes escolas artísticas da época. A ideia é, com 8 álbuns, dar conta das principais correntes estéticas.

Qual é a importância de se ouvir álbuns inteiros na aula?
Hoje, temos mais acesso à música do que em qualquer período da história. Porém, sinto que dois fatores dessensibilizaram muito a nossa escuta, de maneira geral. O primeiro é o fato de ouvirmos cada vez mais música em segundo plano. E segundo, mesmo quando há uma situação de pesquisa musical e escuta ativa, o fácil acesso a um material infinito também pode gerar ansiedade e fazer com que passemos mais tempo buscando novas músicas do que nos aprofundando no que encontramos. A ideia do curso, mais do que tudo, é educar a escuta e incentivar os participantes a criarem hábitos para absorver a música com atenção plena. Acredito que existem camadas da obra musical que só podemos acessar dessa forma. Além disso, a ideia é analisar não apenas cada composição musical de forma isolada, mas enxergar o álbum como uma composição em si. Para isso, é necessário primeiro ouvir o álbum integralmente.

Você opta por não divulgar aos alunos os álbuns escolhidos. Por quê?
Sinto que já existem por aí muitas listas dos álbuns mais importantes da Blue Note ou coisas do gênero. Meu objetivo, ao não divulgar, é que, a cada semana, os alunos foquem nos álbuns que foram ouvidos na última aula, ouvindo mais vezes por inteiro ou retomando as composições que mais chamaram a atenção. Esse aprofundamento me parece mais interessante do que já pesquisar o álbum da próxima aula.

Já que os álbuns do curso não são divulgados, poderia dizer um você lamenta ter deixado de fora?
Claro! “The Real McCoy”, do McCoy Tyner, de 1967. Com o baterista Elvin Jones, seu parceiro no quarteto de John Coltrane; Ron Carter, que na época tocava baixo no quinteto de Miles Davis; e o saxofonista Joe Henderson, que tocou em vários lançamentos importantes do selo. Acho que foi um dos últimos álbuns produzidos por Alfred Lion. Se eu tivesse planejado um curso de 9 aulas, muito provavelmente fecharia com esse!

A História do Jazz Moderno Através dos Álbuns da Blue Note

Quando: Segundas (12/8, 19/8, 26/8, 2/9, 9/9, 16/9, 23/9 e 30/9), das 20h às 21h15

Onde: Espaço Musical Ricardo Breim – Rua Paulistânia, 162

Quanto: R$ 360,00

Mais informações: (11) 3813 2955

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Pode festejar: vem aí um disco inédito do ganês Ebo Taylor, de 1980 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/01/pode-festejar-vem-ai-um-disco-inedito-do-ganes-ebo-taylor-de-1980/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/08/01/pode-festejar-vem-ai-um-disco-inedito-do-ganes-ebo-taylor-de-1980/#respond Thu, 01 Aug 2019 14:23:48 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=471

Há um herói do afro-funk em plena atividade, aos 83 anos, e sua obra ancestral ainda guarda um tesouro escondido prestes a ser descoberto. O ganês Ebo Taylor fez história em seu país ao se dedicar em divulgar o gênero highlife desde os anos 50 e desenvolver uma profunda transformação nas década de 1970 e 1980 sob o impacto das influências do funk norte-americano e do afrobeat nigeriano. Os seis LPs do período – que nossos ouvidos ocidentais vieram a conhecer neste milênio graças a reedições europeias – montam uma obra peculiar e com um sotaque muito específico. É o puro ouro do balanço africano. Esse processo trouxe o artista de volta à ativa, que não gravava desde os anos 80 e já tem cinco álbuns lançados a partir de 2009.

Em breve, teremos o prazer de escutar mais um capítulo dessa história. O selo londrino BBE Music anuncia o lançamento de “Palaver”, que o músico gravou em 1980 e permanece inédito, para setembro desse ano. O disco já está em pré-venda e a Radiola Urbana aposta todas as suas fichas nessa preciosidade. A sessão foi registrada nos estúdios da Tabansi Records, durante uma turnê de Mr. Ebo pela Nigéria. Não se sabe porque o material não foi lançado na época. A BBE Music já divulgou trechos da gravação e você pode conferir clicando aqui. O guitarrista, cantor, compositor e arranjador segue na ativa e lançou o ótimo álbum “Yen Ara” em 2018. Que sorte a nossa poder ter acesso não só à sua produção antiga como seus novos trabalhos! Aproveite o embalo e confira: 1) a entrevista que publicamos com ele em 2012 nesse link. 2) nossa mixtape em homenagem aos seus 80 anos, em janeiro de 2016, logo abaixo. Axé!

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“Paul’s Boutique”, dos Beastie Boys, completa 30 anos e ainda reverbera http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/07/25/pauls-boutique-dos-beastie-boys-completa-30-anos-e-ainda-reverbera/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/07/25/pauls-boutique-dos-beastie-boys-completa-30-anos-e-ainda-reverbera/#respond Thu, 25 Jul 2019 12:43:08 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=464

A mudança foi profunda. A banda se transformou e o hip hop sente seus efeitos até hoje. “Paul’s Boutique”, segundo álbum dos Beastie Boys, completa 30 anos neste 25 de julho de 2019 e seu impacto é ainda um fenômeno a ser estudado. É esta obra que eleva o trio nova-iorquino a um patamar respeitável na genealogia do rap – afinal, o trabalho de estreia, “Licensed To Ill” (1986), não era muito mais que uma inspirada zoeira de grande sucesso comercial.

Na discoteca básica do rap, é merecidamente compreendido como um divisor de águas pela minúcia na construção de bases a partir de infinitos samples (desde riffs de guitarra dos Beatles até linhas de baixo de Curtis Mayfield, de um refrão dos Ramones a obscuridades do country norte-americano, de partes inteiras surrupiadas do jazz-funk até trechos vocais dos primórdios do hip hop) e a comunhão perfeita dessa cama instrumental com o estilo vocal dos três MC’s. É comum ver o disco em listas de melhores de todos os tempos e ser tratado como “‘Sargent Pepper’s’ do hip hop”. Tudo é muito discutível e sempre será. Não se pode negar, no entanto, que é um dos trabalhos que melhor exemplifica o potencial da cultura da sampledelia: “Paul’s Boutique” contabiliza nada menos do que 105 samples, 24 deles espremidos genialmente na última faixa, “B-Boy Bouillabaisse”.

A dupla responsável por esse corte e costura instrumental atende pelo nome de Dust Brothers. A intenção dos produtores californianos E.Z. Mike e King Gizmo era lançar uma mixtape sem vocais. Quando ouviram o material, os rappers Mike D, MCA e AD Rock perceberam que aquela colcha de retalhos serviria perfeitamente para aquecer suas rimas. O resto é história. Dali em diante, o trio nova-iorquino enfileirou uma sequência de álbuns que vai além do rap: “Check Your Head” (1992), “Ill Comunication” (1994) e “Hello Nasty” (1998) resgatam os instrumentos que tocavam nos tempos de hardcore na primeira metade dos anos 80 e surpreendem com temas instrumentais com o frescor do soul-jazz dos anos 60. Estes quatro discos lançados no intervalo de dez anos representam uma das discografias mais consistentes e influentes da música do período.

No Brasil, muita gente que tinha 20 anos na década de 90 adotou os Beastie Boys não só como banda preferida – mas também como uma referência para compreender e expandir o próprio gosto musical. Toda uma geração percebeu que fazia sentido ouvir rap, jazz, música brasileira, soul, reggae e punk rock, tudo ao mesmo tempo. E os samples usados nos discos da banda, sobretudo em “Paul’s Boutique”, indicavam alguns sons a serem descobertos no garimpo em sebos. “Os Beastie Boys são um divisor de águas, tem essa coisa de antes e depois de escutar eles”, diz a cantora Lurdez da Luz. “Eles me ajudaram a entender que a gente podia fazer rap do nosso jeito e que não existem fronteiras no hip hop. ‘Paul’s Boutique’ é o meu disco preferido deles e foi muito importante pra mim”.

A banda Nação Zumbi também reconhece a influência do trio nova-iorquino. “‘Paul’s Boutique’ é um disco essencial pra mim e pra todos os caras da NZ. Sempre foi uma unanimidade, principalmente nos anos que a gente morava junto. Era parte da discoteca diária dos nossos momentos de coletividade”, observa o guitarrista Lúcio Maia. “Foi um disco que não fez sucesso comercial porque era, obviamente, à frente do tempo. Ao longo dos anos, foi sendo absorvido e teve seu merecido reconhecimento. Com ‘Licensed to Ill’, eles alcançaram 4 milhões de cópias vendidas e entraram pro Guinness. O ‘Paul’s Boutique’ foi o avesso: um disco financeiramente fracassado, porém uma obra-prima. É um disco atemporal e uma referência pelo jeito que foi construído – de criar música nova a partir de música já gravada.”

Hoje é dia de celebrar essa obra. Som na caixa!

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Novo disco confirma: Matéria Prima está entre os melhores do rap brasileiro http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/07/18/novo-disco-confirma-materia-prima-esta-entre-os-melhores-do-rap-brasileiro/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/07/18/novo-disco-confirma-materia-prima-esta-entre-os-melhores-do-rap-brasileiro/#respond Thu, 18 Jul 2019 14:14:38 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=457

2019 é o ano oficial da angústia no Brasil neste novo milênio para quem tem um mínimo de consciência e uma boa trilha sonora é um importante antídoto. “Rascunhos de um Momento Conturbado”, novo disco do rapper mineiro Matéria Prima, bate em cheio nesse sentido. Há tempos apontado pelos blogs Original Pinheiros Style e Só Pedrada Musical (duas referências e fontes pra Radiola Urbana quando o assunto é hip hop) como um dos MCs mais talentosos do país, ele faz jus à campanha e nos oferece uma coleção de nove faixas com produção do carioca DJ Lotek que são certeiras na análise da pasmaceira diante de nossos olhos.

Observar o perrengue e traduzir em rimas é um talento realmente raro. Pelas beiradas e longe do mainstream, Matéria Prima se firma como um cronista inspirado sobre as agruras globais e individuais. A escuta do trabalho não traz a cura – porém funciona bem como anestesia e trilha sonora pra enfrentar um dia atrás do outro. Sobre o potencial artístico do rapaz, certas constatações são evidentes: as letras são de absurda potência, o flow autoral o coloca entre os melhores nesse quesito e ele sabe encontrar os melhores produtores pra embalar suas ideias em uma estética igualmente pesada. Se você ainda não tinha escutado nada do cara, corra atrás dos outros quatro discos. Só tem tijolada. Vai na fé.

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Disco de 1973 é João Gilberto em estado bruto http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/07/09/disco-de-1973-e-joao-gilberto-em-estado-bruto/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/07/09/disco-de-1973-e-joao-gilberto-em-estado-bruto/#respond Tue, 09 Jul 2019 11:37:45 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=446

João Gilberto é tão grande que deve ser o único brasileiro ao qual podemos nos referir em qualquer círculo apenas como “João” e se saberá de quem se trata. “Vamos ouvir aquele disco do João?”, “Ontem assisti ao show do João”, “Que tristeza, João morreu”. É um João alguém – “o” alguém. O pai da bossa nova. O “maior artista com que minha alma teve contato”, descreveu Caetano Veloso na redes sociais. “A voz e o violão mais importantes da música brasileira, fundador do pensamento musical moderno no país e inspirador de uma geração que só iria tocar algum instrumento e se encorajar a cantar com a voz que tinha porque o ouviu sussurrando ‘Chega de Saudade’ em 1959”, decretou Julio Maria, em texto assinado no Estadão. “O maior de todos”, segundo Alexandre Matias em artigo publicado no UOL. Esse é João.

Seu disco de estreia inaugura uma fase da música brasileira. “Chega de Saudade”, de 1959, é a invenção da bossa nova e a influência maior do que viria a se tornar a MPB nas décadas seguintes – é reconhecida a reverência de seus principais nomes às revoluções do baiano: Caetano, Chico Buarque, Gilberto Gil, Gal Costa, Jorge Ben, Tom Zé, Milton Nascimento, Jards Macalé, Novos Baianos, entre muitos outros, delegam ao impacto da audição do álbum um importante divisor de águas para o rumo que tomaram suas respectivas carreiras. A batida do violão, o timbre e as divisões rítmicas do canto e as harmonias eram novidades que tornaram-se obsessão para os músicos das gerações seguintes.

Curiosamente, é com a MPB já estabelecida que João Gilberto vai ainda mais além. Seu disco homônimo de 1973, também tratado como “Álbum Branco”, não carrega o peso da história de “Chega de Saudade”. O tempo, no entanto, tratou de colocar a obra em um novo lugar. Passados 46 anos desde seu lançamento, é possível mergulhar em enigmas ainda indecifráveis. As infinitas regravações de “Desafinado” bem como a repercussão global da bossa nova ajudaram a desvendar boa parte dos segredos de 1959. “João Gilberto”, de 1973, ainda não foi completamente descoberto e não é difícil supor que não reverberou tanto na época justamente por ter sido lançado em um momento em que a música brasileira se esbaldava com alguns de seus discos mais cultuados dos anos 70: “Clube da Esquina” (Milton Nascimento e Lô Borges”, 1972), “Acabou Chorare” (Novos Baianos, 1972), “Transa” (Caetano Veloso, 1972), “Pérola Negra” (Luiz Melodia, 1973), “Secos & Molhados” (Secos & Molhados, 1973), “Índia” (Gal Costa, 1973) e muitos outros. Eram trabalhos influenciados pelo rock, que exalavam rebeldia, com arranjos cheios de elementos, eletricidade. Enquanto isso, o baiano pai de todos penetrava ainda mais fundo no minimalismo da voz e violão, acompanhado somente de uma improvável percussão tocada com vassourinha em um cesto de lixo pelo norte-americano Sony Carr. A única participação é de sua companheira na época, a cantora Miúcha, com quem divide os vocais em “Izaura”.

“Quando ouvi o ‘João Gilberto 73’ pela primeira vez foi um tranco, baixava ali um santo forte. Foi a primeira vez que ouvia ele sem acompanhamentos e o que sobrava ali, no osso, enchendo todo o espaço no fone de ouvido, era só um violão e uma voz contando uma única história, articulados num groove complexo, mínimos detalhes de encaixe precioso entre a voz, a respiração, cada dedo da mão direita em bloco e os deslizes pelas cordas entre cada acorde. Eu já havia ouvido devidamente os minimalistas (Terry Riley e o ‘In C’, Steve Reich do ‘It´s Gonna Rain’), mas aquilo era mais mínimo, mais insistente e muito mais poético, sílaba por sílaba, mais contido e mais líquido”, derrete-se o experiente produtor musical Pena Schmidt. “Eu bebi João. Um som de violão grande, gordo e preciso, a voz ultra-microfônica, entoada com o mínimo de ar, sons de glote, saliva, língua. Ali bem no fundo, um ritmo no limite da invisibilidade, suingue de ombro, uma vassourinha na cesta de vime desdobrando o compasso, ou dedinhos batendo um xequerê suave. Apenas um crédito meio errado: ‘drums: Sonny Carr’ – um mistério que teve biografia revelada no livro ‘Procurando Sonny’; praticamente é o seu único trabalho em disco, ensaiou muito com João no quarto de hotel – por isso a telepatia entre eles. Poucos elementos, mas no disco tem uma acústica de um lugar, a mix do estéreo é cinematográfica, dá pra ver João curvado sobre o bojo do violão, é uma gravação extremamente autoral, radicalmente a serviço da captura da essência mínima. É seco, sem reverberação a não ser a da sala, sem truque nem filtro.”

O repertório do disco desvenda também um novo João. Ele já não está mais tão colado à parceria de Tom e Vinicius nem aos outros compositores fundamentais da bossa nova – e isso é muito natural, lá se iam quase 15 anos desde “Chega de Saudade”. É bonito de ver sua reverência a dois dos seus mais dedicados pupilos na primeira vez que os grava e suas versões para “Avarandado” (Caetano Veloso) e “Eu Vim da Bahia” (Gilberto Gil) penetram no âmago de ambos. É como se João arrancasse das entranhas das canções a beleza mais pura de cada verso e nota. Ele desvenda o João Gilberto que reside no DNA musical da dupla tropicalista. Há ainda uma gravação de “Águas de Março”, composição lançada por Tom Jobim no mesmo ano no disco “Matita Perê” e imortalizada no ano seguinte em “Elis & Tom”. Nos três LPs, é a primeira faixa dos respectivos lados A. No minimalismo de João, sem o piano de Tom e sem a voz sempre brilhantemente expansiva de Elis, o sentido da letra ganha uma outra dimensão e a poesia jobiniana balança mais uma vez plenamente em sua melhor forma: na voz e violão de João Gilberto, nesse vai e vem de hipnose e mansidão tal qual rede à beira-mar.

Tão dedicado a cantar a vida carioca ao longo de toda carreira, o intérprete afirma sua origem no “Álbum Branco”. Além da composição de Gilberto Gil, uma ode ao estado natal de ambos, o repertório traz ainda o hino “Na Baixa do Sapateiro” (de Ary Barroso) e o samba “Falsa Baiana” (de Geraldo Pereira, também registrado por Gal Costa, em 1971, no antológico e ao vivo “Gal a Todo Vapor – Fa-Tal”). A desconstrução da primeira é um desses milagres que só João Gilberto é capaz de fazer: ele abdica da letra, elemento crucial da canção, e destrincha a melodia com os acordes que lhe são tão caros em um transe que se estende por quase cinco minutos de uma repetição que não cansa. O ouvinte distraído talvez nem perceba se tratar das notas tantas vezes cantadas dos versos que dizem: “ah Bahia, Bahia que não me sai do pensamento”. Elas estão disfarçadas na estética revolucionária do violão mais influente da música brasileira.

O mistério maior, no entanto, está nas gravações de “É Preciso Perdoar” (de Alcivando Luz e Carlos Coqueijo) e “Undiú”. É coisa de cinema. A primeira é para rasgar qualquer peito. Se a letra decifra os sentimentos que residem nas profundezas do fim de uma relação amorosa e a beleza do perdão, a interpretação de João Gilberto vale por uma sessão de terapia. Cada verso alcança nossa consciência de modo a sempre atenuar ou potencializar as angústias interiores do ouvinte – mas jamais passam incólume nesse percurso, desde que bate no ouvido e penetra na alma. É de chorar. “Undiú” não tem explicação e soa como a elevação à máxima potência dessa coesão entre cordas vocais e acústicas já tão discutida em academia e botequins. Sem letra, o artista sobrevoa um outro plano além da música para cantar em sua pronúncia calculada apenas a sonoridade das sílabas que dão nome à canção e o “laraiá” mais inspirado e introspectivo da história. O poder meditativo da audição desta gravação no repeat é testado e comprovado. Vai na fé. Sua origem, revelou recentemente o jornalista Marcelo Pinheiro em sua página Quintessência – Música Atemporal Brasileira, está em uma parceria de João com Jorge Amado, na canção “Lamento de Vicente”, lançada em 1963 na trilha sonora do filme “Seara Vermelha” (do cineasta italiano Alberto D’Aversa).

É uma ousadia, obviamente, sustentar que o disco de 1973 seja o mais importante de João Gilberto. Não é o caso. O que se defende aqui é que este álbum, à luz do estrondo de “Chega de Saudade”, teve sua relevância ofuscada e talvez seja o mais belo da carreira do músico. E há quem, além de Pena Schmidt, concorde com essa ideia. “É meu disco predileto de todos os tempos. Ainda que a trilogia inaugural da bossa nova seja muito mais importante historicamente, o álbum de 1973 é o disco mais ‘bonito’ do João. É mais relaxado, mais limpo”, diz Marcus Preto, jornalista e diretor artístico de Gal Costa. “Penso que esses três primeiros discos sejam os mais impactantes pra quem estava vivo e atento quando eles surgiram, ou seja: quem foi impactado pela novidade da batida e da voz de João não abre mão daquele momento e daqueles discos. Mas nós, que já ouvimos aqueles discos no mesmo bolo do disco de 1973, não temos a referência desse primeiro impacto. Então, o que nos vale é a sensação pura da audição. E, nisso, o de 1973 é imbatível.”

“Acho que este é um daqueles trabalhos artísticos que guardam um mistério, ou que deixam uma sensação de mistério: a simplicidade dele é desconcertante. E se imaginarmos que João é uma espécie de síntese da música brasileira, nesse álbum a síntese aparece em toda sua crueza e aí está o mistério: como algo tão cru, simples e sintético pode soar tão sofisticado? Me parece que esses dois extremos se encontram: o simples é o complexo e depois de darem a volta completa, não se sabe mais o que é cada uma dessas coisas”, acrescenta o compositor Rodrigo Campos. “Como sabemos, João é daqueles músicos compulsivos, que tocam o dia todo, na sala, no quarto, no banheiro. Então sua criação nasce desse processo. Dito isso, esse é o álbum que melhor evidencia esse processo, o que mais se assemelha a um tocar em casa. Por isso sua importância, pois percebe-se o DNA da música de João Gilberto muito mais do que em outros discos.”

Essa atmosfera criada tem uma importante contribuição na engenharia de som e mixagem. A profissional responsável é creditada apenas como W. Carlos. Trata-se de Wendy Carlos, importante compositora norte-americana que é pioneira tanto na música como nos costumes. Nascida Walter Carlos, ela foi vanguarda no experimentalismo com eletrônica e fez cirurgia de mudança de sexo em 1972. Seu trabalho no tratamento do som no disco de João Gilberto é crucial para a experiência que temos na audição. “É muito sensível. O uso moderado do efeito reverb (salvo em ‘Valsa’) e o uso de um baldinho de lixo no lugar da bateria aumentam a proximidade e a sensação de estar ouvindo João na sala de sua casa. São pequenos detalhes que mostram que ela realmente entendeu o artista”, observa Campos. “Ela estava em fase de mudança de sexo, então, na indecisão entre colocar Walter ou Wendy, assinou W. Carlos (talvez ainda nem tivesse decidido pelo nome feminino que iria assumir). Se você pensar, essa pauta é muito atual. Em um disco de 1973. E a Wendy trabalhou genialmente. Fez a ‘mixagem’ do disco aproximando ou afastando os músicos do microfone, algo impensável pra um disco profissional hoje em dia. Na mixagem propriamente dita há muitas sutilezas, como na faixa que fecha o disco, ‘Izaura’. Se você ouvir de fone, sente João em uma orelha, Miúcha na outra e o violão no meio da cabeça. Parece que você está na sala, junto com eles e Wendy Carlos”, acrescenta Preto. “Eu gosto de ‘Chega de Saudade’. É o disco que apresenta João, que tem uma fértil discografia, e fez a ponte para um Brasil jovem e moderno. Mas precisou de Wendy Carlos para empurrar os microfones finalmente para dentro dele, para ouvirmos finalmente seu pensamento musical. É um disco telepático”, completa Schmidt.

O “Álbum Branco” não tem orquestrações, não tem Claus Ogerman, não tem os arranjos de Tom, não tem letras de Vinicius, não tem Stan Getz, não tem regravações de Caymmi. Não tem pato, barquinho, Ipanema ou Corcovado. O instinto criativo sintetizado nessa unidade entre voz e violão está mais transparente do que nunca. A percussão é quase invisível – lindamente invisível. O repertório quase não visita canções consagradas e quando o faz, em “Baixa do Sapateiro”, arranca-lhe os versos para flutuar em um delírio instrumental. “Águas de Março” hoje é um clássico, claro, mas à época era recém-lançada. Foi nas profundezas do mar de um samba nada óbvio e nas canções pós-tropicalistas de dois dos seus discípulos de uma geração seguinte que João Gilberto encontrou um conjunto de melodias ideal para sua estética desfilar ainda mais absoluta. A perfeição do mínimo tão perseguida por ele em toda sua carreira está aqui, soberana, em plena potência. É João em estado bruto.

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Goma-Laca evoca legado de Elsie Houston em disco que transborda emoção http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/07/04/goma-laca-evoca-legado-de-elsie-houston-em-disco-que-transborda-emocao/ http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/2019/07/04/goma-laca-evoca-legado-de-elsie-houston-em-disco-que-transborda-emocao/#respond Thu, 04 Jul 2019 12:20:11 +0000 http://radiolaurbana.blogosfera.uol.com.br/?p=442

Memória, pesquisa, ancestralidade e inspiração. Palavras não bastarão jamais pra descrever a grandeza do projeto Goma-Laca e seu novo trabalho recém lançado: “Cantos Populares do Brasil de Elsie Houston”. O disco reúne 20 músicas e um libreto com 100 páginas, em uma odisseia sonora que remonta ao legado de Elsie Houston – que, em 1930, compilou um conjunto de “canções de gêneros como modinha, emboladas, temas de candomblé, cocos, jongos e cantigas indígenas” no publicação “Chants Populaires Du Brésil”, conforme explica o texto do site oficial do projeto. Goma-Laca visita 20 desses temas com um grupo de músicos que reúne: Alessandra Leão (que canta em 11 das faixas, além de tocar percussão), Pastoras do Rosário da Penha (vozes), Lívia Mattos (voz e sanfona), Marcelo Pretto (voz), Siba (voz e rabeca), Juçara Marçal (voz), Luca Raele (clarinete), André Mehmari (piano), Alice Oliveira (Harpa), além de uma banda-base com Marcos Paiva (contrabaixo acústico), Filipe Massumi (cello), Rodrigo Caçapa (viola dinâmica), Júnior Kaboclo (flautas) e Beto Montag (vibrafone). A idealização é de Biancamaria Binazzi e Ronaldo Evangelista, que conduzem o Goma-Laca desde 2009.

Os arranjos são de uma emoção que transborda e envolvem o ouvinte em uma imersão ao mistério das profundezas da musicalidade miscigenada do Brasil. O deleite da audição traz junto a surpresa da redescoberta da importância e riqueza da obra de Elsie Houston. “Além de artista única, Elsie foi vanguarda”, comenta Biancamaria. “Sua biografia passa por modernismo brasileiro, surrealismo francês, Stravinsky, bumba-meu-boi e candomblé, Benjamin Péret, Mário de Andrade, Villa-Lobos, Mário Pedrosa, Pagu, Tarsila do Amaral, Tio Faustino. Na música, rompeu as barreiras entre popular e erudito, levando para o canto lírico, o temperamento da música de rua e de terreiro, e vice-versa.” A pesquisa registrada em “Chants Populaires Du Brésil” foi publicada na França e até hoje permanece inédita no Brasil. Ela “fazia parte da geração de artistas modernistas que, depois da Semana de Arte Moderna, em 1922, começou a pensar em arte e cultura como política pública”, diz texto publicado no instagram do Goma-Laca – outra fonte valiosa, aliás, de informações sobre o projeto.

Radiola Urbana bate palmas e avisa: o show de lançamento de “Cantos Populares do Brasil de Elsie Houston” acontece no dia 13 de julho, no Sesc Pinheiros. Ouça o disco, vá ao show e mergulhe mais fundo na pesquisa pelo site e pelas redes sociais do Goma-Laca. É disso que o a gente precisa. A conexão com nossa raiz é fundamental para fortalecer a certeza de que a beleza da nossa arte está justamente no poder de invenção dos povos historicamente segregados no país. Salve!

Vai lá:

Goma-Laca: Cantos Populares do Brasil de Elsie Houston

Quando: sábado, 13/6, às 21h

Onde: Sesc Pinheiros – R. Paes Leme, 195

Quanto: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia) e R$ 9 (comerciários)

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