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Radiola Urbana

Toinho Melodia pede passagem

Ramiro Zwetsch

22/08/2018 13h32

O samba de São Paulo não morreu nem tampouco agoniza, muito menos é o tal túmulo do gênero conforme chegou afirmar o poeta Vinicius de Moraes. Ele, isso sim, pede passagem pra anunciar: Toinho Melodia acaba de lançar seu excelente primeiro disco aos 68 anos e amanhã faz show de lançamento dessa joia na Casa de Francisca. Embora nascido no Recife, foi na capital paulista que ele se tornou o bamba que dá continuidade ao legado dos gênios Adoniran Barbosa, Geraldo Filme e Paulo Vanzolini. Trata-se de mais um desses talentos que o samba torna notório nas rodas, mas esconde da maior parte do público durante décadas.

A voz de timbre característico, as composições de profunda sensibilidade e a caneta afiadíssima para letras que mesclam malícia e poesia chamavam atenção já no fim dos anos 60. Foi outro herói quase anônimo, Toniquinho Batuqueiro (1929 – 2011), que percebeu a força de seu trabalho e lhe deu a alcunha artística que ele carrega até hoje: Melodia. 40 anos depois, em 2009, o mesmo sambista fazia o show de lançamento de seu único disco ("Memórias do Samba Paulista") e reconheceu Toinho na plateia. Após longos anos de dificuldade e um período que teve de morar na rua, ele experimentaria a partir dali um processo de redescoberta de sua obra – que culmina, agora, no lançamento do já festejado "Paulibucano". O disco conta com arranjos do maestro Edson Alves e foi gravado com o acompanhamento do Conjunto Picafumo. É samba de primeira. Batemos um papo com o artista. Leia!

O que significa pra você lançar seu primeiro disco depois de tão longa trajetória no samba?
É a realização de um sonho maior, depois de ouvir tantas promessas, sem nada acontecer, com tantas dificuldades. Sinto como se estivesse realizando um sonho que foi também de meus mestres, Toniquinho Batuqueiro, Talismã, Jangada e tantos outros.

Como surgiu a ideia de do nome "Paulibucano"?
Esse nome eu uso porque estou há mais tempo em São Paulo do que o tempo que vivi em Pernambuco. Essa cidade que me abraçou, apesar das dificuldades, onde criei meus filhos e tornei-me sambista. Uma homenagem à minha terra de origem e à terra que me acolheu. Aí o Rodolfo Gomes (líder do Conjunto Picafumo) propôs que fosse o nome do disco, porque nós queríamos contar essa história em forma de arte.

Estas composições foram criadas especialmente para o disco ou são músicas que você vem guardando ao longo dos anos?
Tem músicas que vem de longa data, algumas começaram a nascer lá pelos anos 80, e coisas mais recentes, até mesmo de 2018! Elas foram garimpadas entre tantas outras em cima da proposta de traçar esse caminho que eu fiz com minha família de Pernambuco até São Paulo. Aí privilegiamos um maior número de parceiros e uma riqueza de ritmos que, digamos assim, abraçassem essa ideia.

O samba é algo que te acompanha desde quando morava no Recife ou despertou em sua chegada a São Paulo?
Em Casa Amarela (bairro recifense) havia uma batucada na 4 de Outubro, Escola de Samba que nasceu praticamente junto comigo na década de 50. Meus pais me levavam e iam dançar, minha avó cantava e o pessoal caía dentro, eu bem pequeninho ia também. Mas a vontade de cantar nasceu em São Paulo.

Como essa experiência de vida em dois estados se traduz na sua música?
Isso tem uma influência muito grande, Pernambuco tem inúmeros ritmos, tudo ligado, uma riqueza enorme. Aqui em São Paulo, por outro lado, fiquei fascinado pela batucada na beira de campo, às vezes saía até um gol contra. No fim, larguei o futebol e segui no Samba, até hoje estou compondo e cantando. Havia uma batida diferente, aquela coisa rural, dos cafezais, dos canaviais, típica do samba paulista. Na minha adolescência eu ainda não estava preparado, ensaiei de entrar na roda e cantar alguma coisa, do meu jeito. Essa mistura agradou e o pessoal me levou pra Unidos do Morro de Vila Maria. E aí, deu no que deu!

Vai lá:
Toinho Melodia – lançamento do disco "Paulibucano"
Quando: 23 de agosto, às 21h30
Onde: Casa de Francisca – R. Quintino Bocaiúva, 22
Quanto: R$ 35,00

Sobre o autor

Ramiro Zwetsch é jornalista, DJ residente da festa Entrópica, sócio da Patuá Discos e criador do site Radiola Urbana. Foi editor-chefe dos programas "Manos e Minas" e "Metrópolis", repórter de música do Jornal da Tarde e colaborou para "Ilustrada", "Caderno 2", “Bravo!”, “Rolling Stone”, “Bizz”, “Carta Capital”, “Select” entre outros.

Sobre o blog

Divagações e reflexões sobre as maravilhas contemporâneas e pérolas negras da música Brasil adentro e mundo afora.

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